terça-feira, 21 de agosto de 2012


Incursões celestiais

Na Quaresma de 2007, o cardeal italiano Giacomo Biffi foi pregador dos “Exercícios espirituais” na presença do Santo padre Bento XVI; ele - o Cardeal Biffi – escolheu como tema dos “Exercícios” um trecho da carta de São Paulo aos Colossenses(3, 1-2):  Buscai as coisas do alto onde se encontra Cristo à direita de Deus; pensai nas coisas lá de cima, não nas coisas da terra.
Depois os “Exercícios” foram publicados em forma de livro com o título “Le cose di lassù” e, ao lê-lo fiquei muito impressionado logo na introdução quando é proposta o que chama de meditação anagógica(p. 9), uma meditação  que leva o exercitante ou o leitor a olhar para o alto, para as coisa lá de cima, para o mundo invisível.
Alguém poderia perguntar: você se impressionou com que? E eu responderei: impressionei-me com o fato de que num mundo materialista como o nosso, vazio de sentido e de vida interior uma voz se eleva propondo uma reflexão sobre o invisível.
E o invisível existe?
O Símbolo Niceno-constantinopolitano, o Credo, nos faz dizer que cremos em Um só Deus, Pai todo-poderoso, criador de todas as coisas visíveis e invisíveis; é um dado de fé para o crente a existência do mundo invisível. A carta aos Hebreus na sua lapidária definição da fé confirma a existência do invisível, e acrescenta que o que não se ver pode ser conhecido: A fé é um modo de já possuir aquilo que se espera, é um meio de conhecer realidades que não se vêem (Hb 11,1).  Nesse sentido “o senso do mundo invisível é um comportamento elementar no crente, quase preliminar à vida de fé” (Le cose di lassú), uma necessidade e um tesouro para a vida do fiel. 
            É óbvio que o mundo invisível existe! Poderia afirma uma pessoa que lesse o livro ou este artigo; o evidente, porém, por ser evidente e óbvio às vezes corre o risco de ser esquecido, anulado e sem força e serventia para a vida: “o modo melhor para censurar uma verdade não é negá-la ou contestá-la; é dizer: a conheço já, não tem nada de novo.” (p. 9)
            Na Paróquia, na Pastoral, no contato com as pessoas percebo e, muito frequentemente, entre os jovens (e aqui a universidade cientificista e materialista tem uma parte nessa maneira de ver o mundo) que muitos “parecem não demonstrar algum interesse se não pelas coisas que podem ver e tocar...
            Parece-me ser um fato: a violência, a agressividade negativa, o mal que age em nós e ao redor de nós é fruto da ausência de vida interior trabalhada e adquirida no silêncio e tranqüilidade de pessoas que sabem olhar para o alto onde Cristo se encontra e espera ser encontrado; sem este senso do invisível presente e existente pode-se cair no não-senso, na falta de sentido, no desespero. Triste condenação!
             Tem razão o cardeal Biffi! O mundo invisível nos abre para novas e infinitas possibilidades: “do invisível podemos esperar muitas surpresas, também a alegria dos Querubins e as incursões dos Arcanjos no nosso mundo”; quem crê no invisível cantará com mais convicção a cantiga do Padre Marcelo Rossi – “tem Anjos voando...” – e então ele deixará de ser um canto pra animar assembléias dispersas e, há quem diga, alienadas; poderá relembrar o tão citado “Pequeno príncipe”: “o essencial é invisível aos olhos
            É verdade, o mundo lá de cima existe; e se eu entro na dinâmica alegre e festiva das coisas do alto onde encontro Cristo Senhor à direita do Pai, começarei – “por graça gratuita de Deus” – a formar dentro de mim vida interior; começarei a compreender melhor o mundo visível, as coisas cá de baixo, valorizarei mais o meus companheiros de vida e de caminhada, e saberei agradecer o que o Divino Redentor fez por mim. Verei que o mundo invisível não significa mundo remoto, abstrato e incorpóreo; as coisas do alto estão “in mysterio substancialmente presentes e operantes na nossa existência de cá de baixo”(p. 17).
            É muito interessante esta concepção de mundo invisível agindo no mundo visível enquanto nos abre a perspectivas novas no que se refere à vivência da fé dentro da comunidade cristã, dentro da Igreja.
            A partir dessa meditação, o Cardeal Biffi aponta para uma eclesiologia que ele chama “eclesiologia do alto”, eclesiologia do “pequenino rebanho”, diversa da “eclesiolalia dominante” tão “aberta” que se confunde com o mundo enquanto entidade hostil a Deus e a seu projeto salvífico. “O pequeno rebanho” poderia ser tido como um “gueto”, um grupo mínimo de privilegiados ou uma casta, no entanto a eclesiologia do pequeno rebanho “é uma comunhão populosa, onde com as Três Pessoas Divinas palpitam e se alegram as miríades das criaturas bem-aventuradas”(p.16)
             É no invisível que podemos significar o visível. Não é alienado quem com os pés na terra ousa olhar para o alto e busca no alto sentido para bem viver a vida no chão. Em tempos difíceis como os nossos, penso que o convite paulino aos colossenses continua válido. Nós, homens e mulheres do terceiro milênio, privilegiados pelas grandes descobertas científicas( e a ciência descobriu coisas que o senso comum não ver) somos convidados a agir como homens livres e iluminados: o alto, o mundo invisível é uma realidade. O cristão de hoje não pode esquecer de colocar na ordem do dia a alegria de termos encontrado em Jesus Cristo, “ imagem do Deus invisível”(Col 1,15), a razão de viver e de sonhar. A fé, a Eucaristia, a Igreja nos fazem viver uma “Existência transfigurada”, dissipam de nós qualquer ansiedade, criam vida interior e fazem do mundo visível um mundo melhor.

Por Padre Elias
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