Incursões celestiais
Na
Quaresma de 2007, o cardeal italiano Giacomo Biffi foi pregador dos “Exercícios
espirituais” na presença do Santo padre Bento XVI; ele - o Cardeal Biffi –
escolheu como tema dos “Exercícios” um trecho da carta de São Paulo aos Colossenses(3,
1-2): Buscai as coisas do alto onde se encontra Cristo à direita de Deus;
pensai nas coisas lá de cima, não nas coisas da terra.
Depois
os “Exercícios” foram publicados em forma de livro com o título “Le cose di
lassù” e, ao lê-lo fiquei muito impressionado logo na introdução quando é
proposta o que chama de meditação
anagógica(p. 9), uma meditação que
leva o exercitante ou o leitor a olhar para o alto, para as coisa lá de cima, para o mundo
invisível.
Alguém
poderia perguntar: você se impressionou com que? E eu responderei: impressionei-me
com o fato de que num mundo materialista como o nosso, vazio de sentido e de
vida interior uma voz se eleva propondo uma reflexão sobre o invisível.
E
o invisível existe?
O
Símbolo Niceno-constantinopolitano, o Credo, nos faz dizer que cremos em Um só Deus, Pai todo-poderoso, criador de
todas as coisas visíveis e invisíveis; é um dado de fé para o crente a
existência do mundo invisível. A carta aos Hebreus na sua lapidária definição da
fé confirma a existência do invisível, e acrescenta que o que não se ver pode
ser conhecido: A fé é um modo de já
possuir aquilo que se espera, é um meio de conhecer realidades que não se vêem
(Hb 11,1). Nesse sentido “o senso do mundo invisível é um comportamento
elementar no crente, quase preliminar à vida de fé” (Le cose di lassú), uma
necessidade e um tesouro para a vida do fiel.
É
óbvio que o mundo invisível existe!
Poderia afirma uma pessoa que lesse o livro ou este artigo; o evidente, porém,
por ser evidente e óbvio às vezes corre o risco de ser esquecido, anulado e sem
força e serventia para a vida: “o modo
melhor para censurar uma verdade não é negá-la ou contestá-la; é dizer: a
conheço já, não tem nada de novo.” (p. 9)
Na
Paróquia, na Pastoral, no contato com as pessoas percebo e, muito
frequentemente, entre os jovens (e aqui a universidade cientificista e
materialista tem uma parte nessa maneira de ver o mundo) que muitos “parecem não demonstrar algum interesse se
não pelas coisas que podem ver e tocar...”
Parece-me
ser um fato: a violência, a agressividade negativa, o mal que age em nós e ao
redor de nós é fruto da ausência de vida interior trabalhada e adquirida no
silêncio e tranqüilidade de pessoas que sabem olhar para o alto onde Cristo se
encontra e espera ser encontrado; sem este senso do invisível presente e
existente pode-se cair no não-senso, na falta de sentido, no desespero. Triste
condenação!
Tem razão o cardeal Biffi! O mundo invisível
nos abre para novas e infinitas possibilidades: “do invisível podemos esperar
muitas surpresas, também a alegria dos Querubins e as incursões dos Arcanjos no
nosso mundo”; quem crê no invisível cantará com mais convicção a cantiga do
Padre Marcelo Rossi – “tem Anjos voando...” – e então ele deixará de ser um
canto pra animar assembléias dispersas e, há quem diga, alienadas; poderá
relembrar o tão citado “Pequeno príncipe”:
“o essencial é invisível aos olhos”
É
verdade, o mundo lá de cima existe; e se eu entro na dinâmica alegre e festiva
das coisas do alto onde encontro Cristo Senhor à direita do Pai, começarei – “por graça gratuita de Deus” – a formar
dentro de mim vida interior; começarei a compreender melhor o mundo visível, as coisas cá de baixo, valorizarei mais
o meus companheiros de vida e de caminhada, e saberei agradecer o que o Divino
Redentor fez por mim. Verei que o mundo
invisível não significa mundo remoto, abstrato e incorpóreo; as coisas do
alto estão “in mysterio substancialmente
presentes e operantes na nossa existência de cá de baixo”(p. 17).
É
muito interessante esta concepção de mundo invisível agindo no mundo visível
enquanto nos abre a perspectivas novas no que se refere à vivência da fé dentro
da comunidade cristã, dentro da Igreja.
A
partir dessa meditação, o Cardeal Biffi aponta para uma eclesiologia que ele
chama “eclesiologia do alto”,
eclesiologia do “pequenino rebanho”,
diversa da “eclesiolalia dominante”
tão “aberta” que se confunde com o
mundo enquanto entidade hostil a Deus e a seu projeto salvífico. “O pequeno
rebanho” poderia ser tido como um “gueto”, um grupo mínimo de privilegiados ou
uma casta, no entanto a eclesiologia do pequeno rebanho “é uma comunhão populosa, onde com as Três Pessoas Divinas palpitam e
se alegram as miríades das criaturas bem-aventuradas”(p.16)
É no invisível que podemos significar o
visível. Não é alienado quem com os pés na terra ousa olhar para o alto e busca
no alto sentido para bem viver a vida no chão. Em tempos difíceis como os
nossos, penso que o convite paulino aos colossenses continua válido. Nós,
homens e mulheres do terceiro milênio, privilegiados pelas grandes descobertas
científicas( e a ciência descobriu coisas que o senso comum não ver) somos
convidados a agir como homens livres e iluminados: o alto, o mundo invisível é
uma realidade. O cristão de hoje não pode esquecer de colocar na ordem do dia a
alegria de termos encontrado em Jesus Cristo, “ imagem do Deus invisível”(Col 1,15), a razão de viver e de
sonhar. A fé, a Eucaristia, a Igreja nos fazem viver uma “Existência transfigurada”, dissipam de nós qualquer ansiedade,
criam vida interior e fazem do mundo visível um mundo melhor.
Por Padre Elias
Nenhum comentário:
Postar um comentário